Futebol e as duas masculinidades

Ana Clara Braga
3 min readMay 10, 2021
Foto: Pilar Olivares/Reuters

Em que ponto da história a noção de masculinidade começou a ser construída? Afinal, o que é ser um homem masculino? É complexo responder, mas fácil observar, principalmente em um estádio de futebol. O brasileiro que rechaça o futebol, está ignorando uma das maiores manifestações culturais do país.

Quem nunca frequentou uma arquibancada perdeu uma chance valiosa de estudar o comportamento humano, o comportamento dos homens. Maioria nos estádios, na cobertura jornalística e nos gramados, eles revelam diversas faces de sua masculinidade por conta do esporte.

Sentados nas arquibancadas eles vibram, torcem, brigam, cantam, choram e abraçam. Os estádios são dotados de um teor paradoxal quando se fala no que é “ser homem”. Ao mesmo que é um ambiente ainda muito machista e homofóbico, é o único lugar em que muitos homens se permitem chorar.

Sejam lágrimas de alegria ou de frustração, no meio da torcida não existe julgamento. Inclusive, é bonito, sinal de paixão. Já em outros lugares não é a mesma coisa. A velha frase “menino não chora” ainda é a regra em diversas casas e o sentimento do homens não tem local para escoar.

Dentro de campo o choro também é liberado. Jogadores choram ao ganhar ou perder um campeonato. Tudo está valendo. A emoção no esporte não tem regras. Seria essa uma brecha da tradicional masculinidade? Ou apenas um paradoxo que fica sem explicação?

Quantas vezes você, homem, já abraçou ou beijou seus parentes e amigos também homens? E quando envolve futebol? Na comemoração de um gol vale abraço até em desconhecido e ninguém é xingado. Seria o lado passional do esporte uma maneira de expressar o que não é permitido em momentos normais?

Em um documentário da Vice sobre homofobia no futebol, o ex-jogador Vampeta foi entrevistado sobre o tema. Ele foi um dos maiores maiores responsáveis pela disseminação dos gritos homofóbicos contra a torcida do São Paulo, mas afirma que é apenas uma brincadeira. O jogador Richarlyson nunca confirmou ser gay, mas após o então diretor administrativo do Palmeiras insinuar que seria, sua vida virou um inferno. Quando foi jogar no Guarani foi recebido com protestos, ameaças e bombas.

O técnico Cuca, foi condenado por violência sexual contra pessoa vulnerável na Suíça em 1989, quando era jogador do Grêmio. Nunca cumpriu pena porque o Brasil não tinha acordo de extradição com o país. O escândalo não manchou sua carreira, pelo contrário, foi recebido como herói no Brasil e em 2020 treinou o Santos na final da Libertadores.

Enquanto o futebol pode ser um local de afeto, choro e ternura, pode ser também um local assombroso para quem se vê em minoria. Mulheres e membros da comunidade LGBTQI+ tem motivos o suficiente para se sentirem acuados no meio da masculinidade pulsante de um estádio de futebol.

É triste pensar que para muitos filhos a única oportunidade de abraçar o pai é durante um jogo. O futebol une famílias, mas é dura a constatação de que se não fosse por ele, muitos não teriam momentos de proximidade com seus pais. A masculinidade da maneira em que estamos acostumados é perversa e tira de meninos pequenos o direito de chorar e abraçar. Menos no futebol.

Enquanto jogadores se empilham em abraços na hora da comemoração e lágrimas rolam na arquibancada, fora dela nada disso é permitido ou bem visto por parte significativa dos homens. Por outro lado, o comportamento preconceituoso, amplificado em campo, não sai de cena na rotina.

O futebol é uma benção que diverte, une e emociona. Faz até os céticos acreditarem em milagres, faz homem chorar e abraçar estranhos. Pena que isso dura apenas 90 minutos.

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Ana Clara Braga

Jornalista que ama música, cinema, sentimentos e cultura pop.