A robotização dos programas de auditório

Ana Clara Braga
3 min readSep 22, 2024

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Imagine a cena: você liga televisão no final de semana. Está passando um tradicional programa de auditório em uma tradicional emissora. O apresentador transbordando felicidade diz que sua missão é levar alegria para nós, família brasileira. Acontecem jogos, dinâmicas, famosos entram e saem, cantam, choram e riem. Tudo com muito alto-astral, relatos emocionados, declarações de como é maravilhoso trabalhar ali e sem nunca sair do tom.

Alguns, já podem considerar cansativa uma tarde nesse ritmo, 3 anos iguais é maçante. Desde que Marcos Mion assumiu os sábados da Globo, trouxe com ele uma energia inacabável e uma gratidão imensa por finalmente ter um crachá da emissora, o que chegou a virar quadro no programa, até que acabou, porque eventualmente saturou.

Assim como Luciano Huck já fazia antes e continua fazendo aos domingos, Mion não faz seu programa ao vivo. O que vemos é cronometrado e milimetricamente calculado. Os bordões, os trejeitos, as piadas, são roteirizados e sempre podem ser repetidos se dá primeira vez não ficou bom. Nós vemos a versão final.

Sábado após sábado de um apresentador desfilando tênis caríssimos, reproduzindo as mesmas situações e quadros (3 anos e poucos quadros realmente deram certo), começa a soar esquisito. Sábado após sábado Mion e Lucio Mauro Filho se declaram um para o outro ao vivo, é um sonho trabalhar com o outro, não existe nada melhor no mundo! E isso também começa a soar esquisito.

Ver o caldeirão é a mesma sensação de correr uma maratona, no final você está exausto. A TV não precisa ser minimalista, na verdade longe disso, existe beleza no exagero. O problema está no exagero que não parece real, na emoção ensaiada, no reforço semanal de sentimentos que já não parecem estar ali. A música que toca? A PREFERIDA! O artista que entra no palco? O MELHOR DO MUNDO! A novela que é citada? A MAIS INCRÍVEL! Talvez a chata seja eu e realmente seja fácil ter tanto entusiasmo quanto se ganha um salário com vários zeros mais merchan.

Com tanta alegria, gratidão, mensagens religiosas e lindas e engraçadas histórias para contar, o Caldeirão com Mion também coleciona interessantes causos de bastidores. Como a de que a produção do Altas Horas teria registrado uma queixa formal na Globo por conta das homenagens a personalidades e cantores famosos que Mion começou a fazer. O problema é que esses tributos são nos mesmo moldes de algo que já acontece há anos no programa do Serginho Groisman e os produtores do Caldeirão teriam tentando cortar a agenda da atração noturna algumas vezes, chamando os homenageados para irem lá antes.

Outra coisa que chamou atenção nos últimos meses foi a demissão da ex-assessora de Marcos Mion que foi ao seu Instagram relatar o motivo de sua dispensa. “Curiosa que a justificativa para a minha dispensa foi: ‘Você está militando sobre tudo, já te falei sobre isso. Você me representa, [se] isso chegar nas (sic) marcas é ruim”.

Isso significa que Marcos Mion é uma pessoa ruim? Não acho que seja esse o ponto. Mas acho motivo o suficiente para fazer incomodar a imagem que ele tenta construir em seu programa. O cara descolado, cheio de energia e extrema felicidade é fabricado e da para perceber.

Luciano Huck consegue imprimir mais verdade quando interage com sua sideckick Dona Deia. Ana Maria Braga transborda naturalidade todos os dias em seu programa que muitas vezes beira o absurdo (quem lembra de Luisa Sonza, Duda Beat e a cuca abandonada).

Montar uma identidade própria como apresentador é difícil. Existem muitos fatores em jogo, o tom do programa, o horário, os patrocinadores, a emissora e claro, o que você quer passar para o público. Qual a imagem que Marcos Mion quer passar para o telespectador? Pai de família e entusiasta de tudo e todos? Quer deixar no passado seus dias de VJ, mas deixar claro que ainda sabe se divertir? Quer conseguir agradar jovens com memes e senhoras com suas gracinhas adoráveis?

A falta de identidade definida o torna um coringa. Está no sábado, na transmissão do show da Madonna, na cobertura do Rock in Rio. Ele se encaixa, porque consegue se moldar, basta renovar seus trejeitos da época de MTV, ou pincelar sua versão mais suave.

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Written by Ana Clara Braga

Jornalista que ama música, cinema, sentimentos e cultura pop.

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